2015 – 100 anos de Cortázar
Ultimo Round – 1969
A coisa mais difÃcil é abordá-la, saber o seu limite, ali onde se confunde com a penumbra, ao borde de si própria. Escolhê-la entre tantas, afastá-la da luz de que toda sombra respira sigilosa, perigosamente. Começar então a vesti-la como que distraÃdo, sem mover-se demasiadamente, sem assustá-la ou dissolvê-la: operação inicial onde o nada se esconde em cada gesto.
A lingerie, o transparente corpinho, as meias de seda que desenham uma ascensão sedosa até os músculos. Tudo ela consentirá em sua momentânea ignorância, como se acreditasse estar brincando com outra sombra, mas de repente se inquietará quando a saia cingir a sua cintura e sentir os dedos abotoando a blusa entre os seios, roçando a garganta que se alonga até perder-se num jorro obscuro.
Ela rechaçará o gesto de coroá-la com uma esvoaçante peruca loira (esta aura imprecisa rodeando um rosto inexistente!) e ter-se-á que apressar-se a desenhar a boca com a brasa de um cigarro, deslizar anéis e pulseiras para dar-lhe essas mãos com as quais resistirá inicialmente enquanto os lábios, apenas nascidos, murmuram a queixa imemorial de quem desperta para o mundo.
Faltarão os olhos, que brotarão das lágrimas, a sombra por si mesma completando-se, para melhor lutar, para negar-se. Inutilmente comovedora quando o mesmo impulso que a visitou, a mesma sede de vê-la conformar-se perfeita a partir do confuso espaço, comece a desnudá-la, a descobrir pela primeira vez sua forma que em vão busca proteger-se por trás de mãos e súplicas, mas consentindo lentamente na queda, num brilhar de anéis que rasgam o ar seus úmidos vaga-lumes.
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